Compartilho a matéria publicada na Folha de S. Paulo do dia 26 de dezembro de 2010, onde a presidenta eleita Dilma Rousseff fala de suas preferências literárias, citando Matsuo Basho. Em tempo: não foi ele que inventou o haicai, mas aperfeiçou-o de tal forma que se tornou, até hoje, o haicaista mais citado de todos os tempos.
Dilmoteca básica
Eleita não tem autor favorito, gosta de Proust e faz "estoque" de livros
FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA
No início deste ano, numa das sessões de entrevistas que concedeu à Folha, Dilma Rousseff falava sobre suas preferências no futebol. Declarou-se fã do Atlético, em Minas Gerais, e do Internacional, no Rio Grande do Sul.
Recordou-se de sua primeira vez no Maracanã, no Rio, em 1969. Um jogo do Flamengo. Estava na clandestinidade. "Eu fiquei assim abestalhada com as bandeiras. Você já viu as bandeiras?", perguntou e já respondeu: "É de perder o fôlego".
Mas foi uma memória seletiva. Não se lembrava do placar nem contra quem o Flamengo jogava. Com quem estava? Nenhuma lembrança.
Começou então a falar sobre como as imagens vão se colando -ou não- na memória das pessoas. "Eu fico pensando se sou eu ou se todo mundo é assim. Você sabe que eu nunca havia me lembrado disso até hoje?", disse.
A recordação veio porque a conversa era para compor um perfil biográfico. Naquele instante, esporte e cultura popular dominavam a entrevista. Foi quando ela citou suas referências literárias.
"Sobre a memória, quem tem razão era o [Marcel] Proust. Ele falava do sabor e do odor, dois sentidos primitivos que suportam um edifício imenso da recordação".
Descreveu o trecho do romance "Em Busca do Tempo Perdido", publicado no início do século passado, no qual Proust fala de comer madeleines e tomar chá -e como o cheiro e o sabor desencadeiam recordações.
De todas as diferenças entre a presidente eleita, Dilma Rousseff, e o seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, uma das mais marcantes é sólida formação literária da próxima ocupante do Palácio do Planalto.
Não há um autor favorito na prateleira de Dilma. "Depende da fase", diz. "Em matéria de poesia, eu gosto do João Cabral de Melo Neto, muito". Aí cita Cecília Meireles, Fernando Pessoa e completa: "Agora, eu consigo além disso gostar do Bashô. Sabe quem é Bashô?".
Com prazer, ela mesma responde: "Foi um monge japonês que inventou o haicai". A lista de citações não para. "Gosto apaixonadamente de uma mulher chamada Emily Dickinson, "a senhora de Amherst". Não tenho "um" gosto. Depende. Gostei do Proust para mais de metro. Agora, também adorei, aos 13 anos, quando meu pai me deu o Jorge Amado".
O que de Jorge Amado? "Foi "Capitães da Areia" , "São Jorge dos Ilhéus", todos os outros. Amei de paixão o Machado de Assis, mas também o Monteiro Lobato. A Emília, o Pedrinho, a Narizinho, o Visconde, a Cuca."
Começa um diálogo sobre como dá trabalho manter uma biblioteca arrumada. No início deste ano, Dilma cogitava comprar uma casa para guardar o seu acervo.
"Eu compro muito livro, sempre mais do que consigo ler. Tenho aquela teoria de que estou fazendo um estoque. Que um dia vai chegar uma hora que eu vou ler. Então, vai que naquele momento eu não tenha condição de comprar? Vai que aconteça alguma coisa e eu não tenha condição de ficar comprando livro? Então, eu estoco."
Ainda como ministra de Lula, participou de uma viagem à China. "Enchi a paciência do embaixador para me dizer qual era o romance chinês equivalente aos romances nossos. Qual é o Charles Dickens deles. Qual era o Balzac, o Flaubert, o Shakespeare."
Trouxe para o Brasil um romance chinês, traduzido para o inglês. Leu com dificuldades. Três volumes. "Mas o diabo não era isso. Eram os nomes das personagens". Como assim? "Temos uma baixíssima familiaridade com nomes chineses", explica. Para chegar até o final e conseguir não se perder no meio da trama, uma estratégia: "Você anota todos os nomes [próprios] num papel para não se perder totalmente".
Para assinantes do jornal, o link é http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2612201011.htm
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