Ao abrir a caixa de correspondências hoje tive uma surpresa: um envelope A5 vindo de Portugal. Nele, o livro De Frente para o Mar – poesia haiku contemporânea, organizado pelo professor universitário, músico e poeta David Rodrigues, de Lisboa, e lançado pelo selo Palimage, de Coimbra.
A capa elegante, vermelho sobre negro, chama a atenção. Na hora do almoço, li o conteúdo do princípio ao fim. Descobrir o haicai feito hoje em Portugal é uma experiência encantadora.
Ela me lembrou da vez que fui participar de um congresso na Ilha da Madeira. Além da paisagem exuberante, recordo-me da sensação muito peculiar de se visitar um país do mesmo idioma. Há uma familiaridade gostosa, afinal várias palavras e hábitos são os mesmos. Vários, mas não todos. Assim, ocorre uma sensação de se estar em casa e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, de se estar em uma deliciosa viagem. Qual o sentido da palavra nortada? E da expressão rasa à água? Algo como expresso pelo filósofo e crítico literário alemão Walter Benjamim (1892-1940) quando ele fala das duas famílias de narradores, representadas pelo camponês sedentário e pelo marinheiro comerciante.
Em pouco tempo, percebi que a emoção foi mais forte que a razão. Não importava desconhecer o significado desta ou daquela palavra. A experiência poética ultrapassava estes limites da linguagem e as imagens puras e cristalinas que haviam impressionado os dez autores desta antologia atravessavam o mar e me atingiam em cheio.
Tomo a liberdade de compartilhar uns poucos haicais da coletânia. Alguns são próximos dos haicais puristas japoneses, a moda de Bashô, como praticamos no Grêmio Haicai Ipê de São Paulo, com sua métrica precisa:
A escarpa agreste –
Malmequeres amarelos
Respirando o mar
Leonilda Alfarrobinha
pôr-do-sol no mar!
Só o olhar fica para cá
Do horizonte.
David Rodrigues
Anoitecer de Setembro:
Um casal abraçado
Na varanda
Yvete Centeno
Outros, libertos da métrica, flutuam como o do poeta Albano Martins, professor da Universidade Fernando Pessoa, do Porto:
Diz o vento
Ao mar: sem mim,
não podes voar.
Ao terminar a leitura, fica o deslumbramento pela produção destes poetas portugueses que buscam a difícil arte de forjar em palavras o essencial, como pedem os haicais.
Por fim, lembrei-me que Benjamim falava que o sistema corporativo medieval contribuiu para a interpenetração das duas famílias narrativas, uma vez que o mestre sedentário e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos na mesma oficina. Para o alemão, haviam sido os mestres artífices que haviam aperfeiçoado a arte da escrita. Fiquei a imaginar como seria uma mistura de haiku brasileiro e português contemporâneo, dos haikais de lá com os haicais de cá. Mas isto é conversa para outra hora, que agora vou reler este livro com a merecida calma, pois vale muito a pena!
Monica Martinez
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É com alegria que convidamos para o segundo encontro de 2022, feito em
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Há 2 anos
Monica, faça a resenha do livro para nós, do JORNAL MEMAI. beijos
ResponderExcluirOs caminhos das palavras são próprios dos lugares, tal como os temperos e as músicas.
ResponderExcluirAs poesias possuem uma paixão pelo mar, coisa que os portugueses sempre tiveram.
José Marmelo Cortovia
Embú das Artes-SP
Obrigada pelo convite, Marília.
ResponderExcluirJosé Cortovia, grata pelo comentário.
Aproveito para copiar um trecho do e-mail gentil enviado pelo professor David Rodrigues:
"Nortada" é o nome que se dá ao vento que sopra de Norte pela orla marítima. É um vento persistente, frio e pouco amado: por isso os farrapos de espuma correm para o fagueiro Sul... "rasa" significa tangencial, muito próxima (ex: o avião rasou a torre). A gaivota voa e as suas asas quase tocam na água.
Com um abraço a todos,
Monica
Mónica:
ResponderExcluirCom a devida vénia já reproduzi o seu texto sobre o livro "De Frente para o Mar" no meu blog www.haikuportugal.blogspot.com. Sendo um livro sobre a viagem, um livro com os olhos postos no horizonte,é muito lisonjeiro que seja lido e apreciado "do outro lado do mar".
Envia-lhe um abraço amigo o
David Rodrigues
borboleta amarela
ResponderExcluirentra e sai da minha sala
sem fazer barulho
petrô
o bicho da seda
ResponderExcluirnão sabe o valor
das cortinas da sala
petrô
tímida lua
ResponderExcluirnem aparece no céu
e já se esconde
petrô
David Rodrigues compartilha.
ResponderExcluirHaiku/senryu são bem representados em Portugal.