terça-feira, 6 de abril de 2010

Arte breve, vida longa

Abaixo, o artigo do jornalista e antropólogo Rodolfo Witzig Gutilla, autor de Boa Companhia Haicai (Cia das Letras), publicado na edição de janeiro de 2010 na Revista da Cultura, da livraria de mesmo nome.

No artigo, Gutilla destaca Masuda Goga (1911-2008), fundador do Grêmio Haicai Ipê, como um pioneiro entre os imigrantes japoneses, bem como sua sobrinha, a poetisa Teruko Oda, como "a maior representante dessa vertente".

Monica Martinez

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Arte breve, vida longa

A milenar técnica japonesa de poesia haicai atravessa eras e adquire múltiplos contornos

Por Rodolfo Witzig Guttilla


Poema de origem japonesa, o haicai descende de uma antiquíssima linhagem que remonta ao século 7 depois de Cristo: nesse período, surge o waka, com versos de cinco e sete fonemas — o equivalente a sílabas métricas no ocidente. A partir de então, a poesia tradicional japonesa adotará esse metro.

Nos séculos seguintes, a forma poética predominante será o tanka, composto por 5-7-5-7-7 fonemas. Durante a Era Heian (794-1185), o tanka passa a ser criado por duas pessoas: uma encarregada da primeira estrofe (denominada hokku), outra pela estrofe seguinte (conhecida por wakiku). Com o passar do tempo, a primeira estrofe passará a denominar-se haikai.

Por volta dos séculos 16 e 17, o haikai irá constituir-se em expressão autônoma, atingindo seu apogeu no período Edo (1603-1867), graças a Matsuô Bashô (1644/1694). Em seguida, Bussôn (1716-1784), Kobayashi Issa (1763- 1827) e Massoka Shiki (1867-1902) irão estabelecer padrões de excelência para o pequeno poema. Caberia a Shiki definir as regras contemporâneas, ainda hoje perseguidas, para a criação do haiku (aglutinação de haikai e hokku), de forma a preservar a sua essência.

O haicai (como o termo seria abrasileirado) estreou no Brasil em 1906, por iniciativa de Monteiro Lobato, que pioneiramente traduziu seis haicais no diminuto jornal O Minarete. Em seguida, em 1919, caberá ao poeta Afrânio Peixoto fixar a forma do haicai à brasileira: três versos com cinco, sete e cinco pés, respectivamente, totalizando dezessete sílabas métricas.

No ano mítico de 1922, o haicai era não somente praticado como também traduzido e discutido por poetas que participaram do movimento modernista, entre eles Luis Aranha e Oswald de Andrade. Passados três anos, Carlos Drummond de Andrade lançará seus primeiros haicais na revista de variedades Para Todos, em 27 de junho de 1925.

Foi, contudo, Guilherme de Almeida que, no final dos anos 1940, tornou o haicai amplamente conhecido na cena literária por meio de artigos publicados em O Estado de S.Paulo e de bem urdidos poemas — reunidos em Poesia vária (1947– esgotado) e, quatro anos depois, em O anjo de sal (esgotado). Foi também Guilherme que inaugurou as primeiras trocas de informações sobre o haiku e o haicai entre os imigrantes e seus descendentes e os poetas nativos. Nesse contexto, cumpre destacar as iniciativas pioneiras de Shûhei Uetsuka, Nempuku Sato e H. Masuda Goga, que difundiram a prática do haiku no Brasil, fazendo inúmeros seguidores. Atualmente, a maior representante dessa vertente é a poetisa Teruko Oda, autora de diversas obras do gênero.

Em seguida, autores tão distintos como Manuel Bandeira, João Guimarães Rosa, Mario Quintana, Oldegar Vieira, Erico Verissimo e Haroldo de Campos, entre outros, irão criar, traduzir e comentar o poema haicai. Nos anos 1970, emulando o arrebatamento, a linguagem da rua e a verve galhofeira dos modernistas, Millôr Fernandes popularizou o haicai no país, projetando-o para as massas.

Graças a esse período virtuoso, o haicai irá consolidar-se como uma das mais populares formas poéticas nas duas décadas seguintes. Dentre os muitos autores que contribuíram para esse êxito, destacam-se Alice Ruiz, Paulo Leminski, Olga Savary, Pedro Xisto e os (ainda) pouco conhecidos poetas Cyro Armando Catta Preta e Waldomiro Siqueira Jr., entre outros.

Adotado ao longo do tempo por diferentes movimentos literários e correntes estéticas, o poemeto receberá variadas influências em nosso país. Irá adquirir múltiplos e surpreendentes contornos (no mais das vezes, bastante diferentes da norma tradicional, como estabelecida por Shiki, bem como das formas fixadas por Afrânio Peixoto e Guilherme de Almeida). Haicai mestiço e original, que adentrará o século 21 completamente abrasileirado. ©

Link: http://www2.livrariacultura.com.br/culturanews/rc30/index2.asp?page=artigo

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